E eu por acaso sei o papel do segredo nas nossas vidas?
Você já se perguntou quantos segredos você dividiu, guarda ou já guardou na vida? Costuma pensar no quanto eles mexem contigo, se eles fazem diferença no seu comportamento no dia a dia ou numa situação específica?
Ouvindo o episódio #421 do Naruhodo essa semana me peguei pensando nisso. A pergunta que vai conduzir o episódio do podcast é “por que guardamos segredos?” e prefiro que ouçam, para entender um pouco da ciência por trás desse assunto, a tentar euzinha, de forma capenga e desastrada, explicar a minha interpretação da resposta.
O que me balançou a alma foram as perguntas derivadas, que surgiram na conversa, e que geram muitas causas e efeitos, a ponto de eu não conseguir ficar quieta até escrever sobre, e acalmar o meu espírito atormentado. Não falarei o que foi dito no episódio, para que vocês ouçam e tirem as próprias conclusões. Vou apenas divagar sobre o que surgiu de reflexão.
Portanto, sejam bem-vindos ao Vivoca’s Mind, um misto de dominação e submissão do inconsciente.
Antes de qualquer coisa, vamos refletir sobre a diferença entre privacidade e segredo.
Por não ser historiadora e nem saber metade das coisas que falo, não vou nem começar aqui a tentar explicar o conceito de privacidade, quando surgiu na sociedade e como se desenvolveu até os dias de hoje. No entanto, é impossível eu não me lembrar do professor de história rindo ao contar pra turma que os romanos cagavam juntos numa espécie de salão da caganeira. Acabei de inventar esse nome porque não lembro da aula, só da imagem que fiz do que foi dito.
Bem sabemos como hoje isso é diferente, glória a Deus. Temos banheiros e casas, espaços reservados para vivermos nossas vidas em paz, sem necessariamente dividir com o outro o que se faz. Esse, pra mim, é o exemplo mais objetivo e simples que consigo pensar pra falar de privacidade. Nós temos o luxo da reserva das informações pessoais, coisa que era dificil de se ter no passado.
Quer dizer, em era de TikTok que a garotada filma a própria sessão de terapia, não sei bem dizer se muita coisa mudou desde os tempos da Roma Antiga.
Segredo, por outro lado, é uma ação de partilha dessas informações pessoais. Há uma intenção de dividir com o outro o que se faz ou pensa ou sente.
Beleza.
Agora pensem nos segredos de situações privadas que nós dividimos com os outros. Pensem nos segredos que alguém dividiu com você. A gente logo pensa na coragem de quem fala, mas quem recebe também precisa ser uma pessoa corajosa. É esperado um nível de maturidade de ambas as partes, além de confiança mútua. Pensa na responsabilidade que é receber uma informação que pode ser grave, destrutiva ou pro bem ou pro mal ser capaz de mudar o rumo da vida de alguém. Quais sensações temos quando ouvimos um segredo? Quais costumam ser as nossas reações?
Sentimos alívio ao contar, por acharmos que não estamos mais sozinhos? Sentimos medo?
Ao receber, sentimos peso na consciência, vergonha, felicidade por ser confidente de alguém? Julgamos a pessoa?
Tenho a impressão de que alguns segredos que contei nessa vida buscavam um tipo de validação, ou de suporte. Talvez não concordassem comigo, talvez não entendessem um sentimento ou uma ação, mas ao partilhá-los, de alguma forma, eu me encaixava em algum lugar. Alguém sabia pelo que eu estava passando e assim uma conexão se formava. E há segredos que não contamos justamente pelo mesmo motivo. Porque, ao partilhá-los, talvez venhamos a perder essa mesma conexão com o outro. Curioso, não?
Quando paro para pensar nos meus segredos que já dividi por aí, acho que a grande maioria visava me sentir menos sozinha. Há uma relação forte entre o segredo e a solidão, ao meu ver. Dividir uma ambição, um arrependimento, um erro, uma paixão secreta. O que estamos tentando alcançar quando dividimos um pedaço do que até então era só nosso?
Eu gosto de pensar que quando alguém divide um segredo comigo é um presente que estou recebendo. Reconheço o ato de intimidade, ainda que possa não existir de fato (quantas vezes nós dividimos segredos com estranhos na rua, pessoas que nunca vimos?). Pode ser que o presente seja ruim, um peso, uma carga a ser carregada, mas talvez, pensando no outro, em quem dividiu a carga, não seja assim de todo mau encontrar forças para ajudá-lo a carregar esse peso.
Como tudo, há vantagens e desvantagens na troca de segredos. Temos que pensar nelas antes de dividir ou receber. Será que refletimos o suficiente no efeito que causaremos a longo prazo nas pessoas e em nós, ao dividirmos um pedaço do que é nosso? Estaremos nós segregando um grupo por privilegiar uma pessoa em detrimento da outra, ao estabelecer conexões através de segredos?
E qual é o papel da terapia nisso? Será que alguns segredos não deveriam ser divididos apenas com psicólogos e terapeutas? Já não seria o bastante?
Penso nisso quando reflito sobre minha postural social. Quais informações as pessoas estão preparadas para ouvir e como. Se há senioridade e entendimento suficiente no outro para que eu possa ser econômica com as palavras “para bom entendedor meia palavra basta”. Se há senso de humor o suficiente. Se há philia, storge, eros ou ágape. Se há filautia que nos prepare para o julgamento do outro quando todo o resto falhar.
E será que segredo se encaixa na nossa postura social? Será que há espaço para os segredos? Será que refletimos sobre a diferença entre privacidade e não estamos confundindo segredo com auto-exposição gratuita?
São centenas de perguntas que invadem minha mente agora…
Nossa, devo ter uns 20 ou 30 segredos comigo, 2 ou 3 meus que provavelmente levarei para o túmulo; alguns de outras pessoas, que não interessam a mais ninguém, e que também levarei comigo para enfrentar a morte. É curioso pensar que algumas pessoas que sabem alguns segredos não sabem de outros, mas orbitam a mesma galáxia de informações. É natural que o melhor amigo saiba coisas que a mãe não sabe, que, por sua vez, sabe coisas que ninguém mais sabe, nem o terapeuta, ou que o namorado sabe que a amiga nunca soube. Os segredos estão eternamente gravitando no nosso pequeno, porém infinito espaço.
E já percebeu que, assim como os planetas, os segredos têm fases e tempos de rotação próprios e, como a gravidade, são puxados de volta, de modo que estão sempre vivos, presentes, mesmo que levem anos e anos para ressurgirem nas nossas mentes?
Foquei nos segredos que contamos de nós mesmos e nos segredos pessoais que contam pra gente. Nenhuma parte desse texto reflete o segredo de outras pessoas que resolvemos por qualquer que seja o motivo repassar ou que repassam pra nós. O nome disso é fofoca e hoje não estamos falando sobre isso.