A vida sexual das cigarras: uma conversa de bar
Dizem que as cigarras fazem aquele barulho das cigarras pra chamar o parceiro sexual. Elas literalmente estão gritando por sexo. Que desesperador. Espero que isso não seja verdade.
Normalmente pesquiso essas coisas no Oráculo, pra ver a possível veracidade da informação revelada; ou quando namorava um biólogo podia simplesmente falar com ele, mas hoje eu tô meio preguiçosa. Prefiro permitir que a informação chegue e vá embora, como uma boa sessão de meditação mindfulness. Se for crucial pra minha vida, tipo “essa mancha no meu pé pode ser câncer?”, aí eu busco a verdade e nada mais que a verdade, somente a verdade, so help me God.
Mas se alguém vem me dizer que varrer os pés de uma pessoa faz com que ela não se case ou que se coçar a palma da mão é dinheiro chegando; quem sou eu pra desmentir isso? Varreram meus pés quando eu era criança. Eu me casei? Até agora nada. Evidência científica. Já senti a mão coçar antes do dia do salário bater. Coincidência ou sabedoria popular? Jamais saberemos. Mas quem é que vai provar essas coisas?
Tirando a galera do Prêmio IgNobel que é hilária e, de vez em quando, traz uns experimentos desses (vale muito ouvir os episódios todos do Naruhodo sobre isso, fica a dica), quem se importa se andar com um olho turco realmente traz sorte, ou se deixar um chinelo virado causa a morte da mãe? Bom, talvez a mãe se importe; por via das dúvidas, melhor não deixar o chinelo largado por aí do avesso.
A questão que me deixa abismada é a nossa tendência a defender com unhas e dentes qualquer que seja a informação que acreditamos ser verdadeira. “Sim, café faz mal”; “não se deve colocar o ovo dentro da geladeira”; “remédio X não funciona, apenas o Y”.
Eu não sou muito jovem, mas também não sou velha, e somente no meu curto tempo de vida inútil já se foram centenas, talvez milhares de artigos sobre café e ovo; de um lado gente falando que faz bem desde que “blá blá blá” e, do outro, “faz mal, galera, cafeína é o mal do século”. Sei. Assim como o açúcar, o estresse, a ansiedade, a depressão, TikTok, DC nos cinemas, emails, Farmville. Não to dizendo que estão errados, apenas que a gente obviamente deve levar a sério e atentar para a nossa saúde, ficar atento às notícias com base em estudos e pesquisas sérias etc etc, porém não pegar essas informações e torcer para elas como se fosse um time de futebol. “TYLENOL É MUITO MELHOR QUE DIPIRONA!”
Engraçado que às vezes a pessoa que costuma brigar por um remédio, em detrimento de outro qualquer, não faz ideia que a composição é quase sempre a mesma e as empresas só trocam o nome por conta de suas marcas, porque são concorrentes no mercado, e quem lucra com nossa inocência e desconhecimento é a indústria farmacêutica. Nessa arena, vence o melhor marketing.
As certezas que temos hoje são contestadas o tempo todo; e a qualquer momento vem um chato de galocha de Harvard ou do Japão ou da Alemanha falar que jejum intermitente é mais eficaz para o emagrecimento do que comer de três em três horas; o outro vem dizer que Van Gogh não cortou a própria orelha, não, senhor, fomos enganados; Elvis não foi o criador do Rock n’ Roll; não usamos apenas 10% do nosso cérebro, isso é mito; raio pode cair sim duas vezes no mesmo lugar; peixes têm memória; beber água não necessariamente deixa a pele mais bonita… eu poderia criar aqui uma lista com mais de 200 exemplos de “descobertas” recentes, mitos X verdades, estudos desmentidos e caralho a quatro. A questão é que abraçamos essas “verdades”, sem levarmos em conta as letras pequeninas do contrato a que fomos submetidos a assinar. Letrinhas estas que dizem “pelo tempo que durar a validade dessa informação”.
É assustador pensar que informações têm validade, eu sei. Então viraremos todos niilistas, céticos, hedonistas, cínicos, arrogantes e debochados? Lógico que não. Não necessariamente. Nós temos evidências científicas de coisas e deixamos de “acreditar” nessas coisas porque, afinal, uma vez algo comprovado ele não precisa mais da nossa crença; ela acontece e é “verdade”, independente da nossa existência ou fé. Porém, constantemente os cientistas tentam provar cada vez mais que estão errados, mesmo para as situações já comprovadas. Isso porque desenvolvemos novas tecnologias, novas ferramentas e novas maneiras de se enxergar algo que acabam nos gerando resultados mais detalhados do que antes sabíamos pouco, tendo arranhado apenas a superfície de uma grande montanha, que ainda espera ser escalada. Se os cientistas fazem isso para o próprio bem da humanidade ou apenas para cutucarem um ao outro, jamais saberemos. O que importa é que nós nos beneficiamos dessa grande piada interna vivida entre eles.
E tudo isso pra dizer que a realidade muda constantemente. Nós somos a prova disso, my fellow alien-mutants. Aprisionar-se a uma informação, da qual 100% das vezes temos conhecimento apenas de uma parte do todo, virar a torcida do Flamengo (ou do Benfica, pra agradar também meus seguidores portugueses) e defendê-la usando a própria vida como escudo, numa discussão se Apple é mais eficaz que Android, se pessoas de Gêmeos são mais falsas que as de Leão ou se transar de manhã gasta mais calorias do que se transar à noite, é muito mais do que desperdiçar o seu tempo precioso de vida; bem pior que isso. É negar completamente a riqueza e pluralidade da realidade.
Olha só, vocês me fizeram citar Carl Sagan; “Cada um de nós é, na perspectiva cósmica, precioso. Se um ser humano discorda de você, deixe-o viver. Em cem bilhões de galáxias, você não vai encontrar outro.” Além de descobrirmos diariamente coisas novas e desmentirmos verdades engessadas, ainda temos que levar em conta que cada um tem a sua verdade e vê a sua realidade, que não é a mesma do outro. Beber oito copos de água por dia não é bom pra todo mundo. Fazer exercício de jejum pra “gastar a reserva de gordura” não funciona pra todos.
Tudo bem ler e se informar, podemos e devemos fazer isso. Há coisas que são e coisas das quais não sabemos ao certo como funcionam ou se existem e precisamos ter fé nelas. Faz parte. Quem consegue explicar o grão de areia sem explicar primeiro o que são átomos, prótons, elétrons? Se você viajar hoje numa máquina do tempo para o passado e disser “eu sou do futuro”, e quando alguém te perguntar “ah, é, então fala aí alguma invenção do futuro e explique-a com detalhes”, vai saber explicar como falamos no telefone? Como voamos em aviões? Como funciona a internet? Temos as respostas para essas perguntas hoje, mas, se não trabalhamos nessas áreas, não fazemos ideia de como funcionam as coisas. Então, quem somos nós para defendermos cegamente informações que fogem totalmente da nossa alçada?
Carl Sagan também disse: “Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias.” Se você consegue explicar sua verdade com evidências extraordinárias, beleza, mostra os dentes. Caso contrário, amigo, somos apenas cigarras berrando para chamar atenção de um parceiro ou parceira a fim de acasalar num quente fim de tarde.
No fim do dia, somos mesmo borboletas que vivem um dia, mas que acham que vivem para sempre.